Já a algum tempo estava querendo escrever sobre o documentário “the Corporation”, filme de Mark Achbar, Jennifer Abbott & Joel Bakan. A abordagem do filme é direta e precisa ao retratar o “lado negro” das organizações. Abaixo relaciono os pontos que considerei mais impactantes.
The Corporation
As corporações são criações artificiais, frutos da genialidade humana, inicialmente estruturadas para servir o bem comum. Mas, assim como as criações artificiais do cinema (Franskstein, Eu Robô, O Homem Bicentenário), as corporações subjugaram seus criadores, tornando-se mais importantes e poderosas do que eles.
Mas, o que é uma corporação? Até a idade industrial, as estruturas legais eram licenciadas para executar uma tarefa definida pelo governo. Somente após a Guerra Civil Americana e a Revolução Industrial é que essas restrições foram superadas.
Antes de 1890, a empresas americanas não existiam como atualmente. Com a aprovação da lei que protegia o direito dos negros (recém libertados) à propriedade, e que apresentava uma forma genérica de se referir à pessoa, os juízes aplicaram esse direito para as corporações, criando a figura da pessoa jurídica. Isso permitiu que a corporação se transformasse em modelo para controle dos negócios, no qual as pessoas trabalham com o objetivo de gerar lucro para os donos na empresa, que possuem responsabilidades limitadas ao capital investido.
Que tipo de pessoa é uma pessoa jurídica
Apresentando vários casos e exemplos de empresas pelo mundo, foram identificadas algumas características típicas das grandes corporações:
- Não possuem consciência, ou seja, não existe certo ou errado; só o resultado importa.
- O único objetivo é fazer o máximo de lucro possível, que nunca é o suficiente.
- Os interesses da corporação estão sempre abaixo dos interesses dos donos, que é a maximização dos lucros.
- Não existe lealdade.
- Procuram externalizar os custos e fazer os outros pagarem a conta.
- Para atingir certos objetivos, não existe bem ou mal: só o resultado importa. Em países em desenvolvimento, onde as pessoas estão morrendo de fome e aceitam qualquer coisa, marcas que se posicionam como “boazinhas” pagam R$0,74 para uma jaqueta vendida a R$178,00. O salário pago representa 0,03% do valor de varejo.
Perfil psicológico da pessoa jurídica
Segundo o Diagnóstico de Personalidade pela Organização mundial de Medicina – Manual de Distúrbios Mentais, a saúde mental de um indivíduo pode ser medida pelos seguintes itens:
- Descaso pelos sentimentos alheios
- Incapacidade de manter relações duradouras
- Descaso pela segurança alheia.
- Repetidas mentiras e trapaças para obter lucro.
- Incapacidade de sentir culpa.
- Incapacidade de seguir as normas sociais de conduta dentro da lei.
No caso das corporações apresentadas no documentário, todos os itens acima foram considerados aplicáveis. Assim, a personalidade resultante é: psicopata (dá para acreditar?).
A personalidade humana depende das circunstâncias. Já a personalidade jurídica sabe bem o que quer. Quando um presidente ou CEO depara-se com certas situações não pode seguir suas inclinações e idéias pessoais; precisa agir conforme esperam os donos na empresa. E essa é uma conseqüência do capitalismo moderno.
Outros pontos
O documentário também apresenta outros pontos que merecem reflexão:
- Até nos dias de hoje observamos certa conveniência em aceitar a tirania de governos para seu benefício, mesmo que isso seja financiar a violência, a pobreza e a degradação ambiental. Como exemplos, são apresentadas algumas empresas que contribuíram, direta ou indiretamente, para o crescimento do nazismo e do fascismo na Europa (veja as empresas no documentário).
- Como já escrevi antes, as corporações não vêem nada de errado em usar estratégias avançadas de marketing para manipulas as crianças e ensiná-las a persuadir os pais a comprarem esse ou aquele produto.
- Hoje, as empresas não vendem mais produtos e sim criam estilos de vida. As corporações do futuro produzem significado, idéia de marca. Assim, vida é tratada como negócio e até a questão da responsabilidade social é uma idéia, criada para fazer as empresas serem aquilo que não são para influenciar a percepção dos consumidores. Mas quem pode julgar? Afinal, o real objetivo de qualquer organização é o “bottom line”, o lucro.
Considerações sobre o documentário
Embora com todos esses pontos notoriamente conhecidos e percebidos na grande maioria das organizações, cabe considerar que toda organização é constituída de pessoas, não de prédios, fábricas e galpões. O que acontece hoje e que permite um comportamento pouco aceitável é a ilusão: são só negócios, não é nada pessoal.
Mas tudo é pessoal, feito por pessoas e para pessoas. Sem elas, nenhum negócio será capaz de se sustentar ao longo do tempo. Por isso, trabalhar para o bem comum não é só uma questão de humanidade: é uma questão de sobrevivência.
Superamos a era da indústria e a era do consumidor; estamos na era dos prosumers, profissionais (ou produtores) que consomem e consumidores que produzem. Isso significa que, cada vez mais, o indivíduo exercerá o papel central decisório nas organizações. Não só como o cliente que escolhe o que irá consumir, como também como os profissionais que assumem a missão de evoluir e adaptar os negócios aos novos tempos.
De fato, tanto os consumidores quanto os negócios não são mais os mesmos.
Segue abaixo a versão do filme disponível no Google Videos.
Créditos pela foto: epicharmus